Por Leila Erdmann Sônego
OAB/PR nº 55.203
A pandemia está estremecendo o mundo e as relações pessoais e profissionais não serão as mesmas após 2020, disso não há dúvidas. O historiador Leandro Karnal assegura que, por ser a alta conectividade uma marca indelével da nossa sociedade, a percepção que temos do Estado e do valor da vida seguramente serão alterados . E, a necessidade de reclusão social e confinamento como medidas de retrair o avanço da doença, impõem algumas medidas imediatas de ordem jurídica, em especial nos ramos do direito que tratam do núcleo sensível do ser humano, sua vida privada.
No direito de família, por exemplo, há de se contar com o bom senso em questões como guarda compartilhada e direito de visitas a filhos, idosos, pessoas com deficiência ou doenças pré-existentes. Afinal, insistir que essas pessoas continuem na rotina anterior, expondo-os ao contato com outras pessoas possivelmente infectadas, representa verdadeira ameaça à saúde pública.
Em decorrência disso, já temos decisões judiciais de suspensão temporária do convívio presencial, estipulando chamadas programadas de vídeo, como determinado pela juízo da 3ª Vara de Família e Sucessões de Curitiba porque, como bem menciona o familiarista Conrado Paulino da Rosa, distância física não representa distanciamento afetivo!
De outra parte, decisões como a proferida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que, atendendo a pedido da Defensoria Pública, concedeu prisão domiciliar a todos os devedores de alimentos, faz questionar se ausência de razoabilidade não é um dos sintomas do coronavírus . Se todos estamos vivendo em verdadeira prisão domiciliar, como bem dito pelo especialista Cristiano Chaves de Farias, qual é a lógica coercitiva de decisões como essa? Mais adequado seria a suspensão do decreto prisional.
Sobre obrigações alimentares, é altamente recomendável que empresários e profissionais autônomos que tenham suas rendas diretamente afetadas pelo lockdown proponham ações revisionais demonstrando esse nexo de causa para reduzir as pensões. Sem isso, as consequências do inadimplemento virão certamente no segundo semestre, simultaneamente a preocupação com a retomada de suas atividades profissionais.
Outra questão relevante é que o Conselho Nacional de Justiça não estabeleceu o fechamento total dos tabelionatos e, diante disso, alguns ainda estão em funcionamento, implantando as medidas preventivas do contágio e atendendo de forma on line e mediante hora marcada. Isso possibilita que escrituras públicas em geral, inclusive de divórcio, possam ser lavradas.
Em Direito das Sucessões o cenário é propício para a realização de uma modalidade de testamento que antes da pandemia figurava apenas no imaginário dos especialistas, o testamento particular. Com ele, a pessoa pode de próprio punho expressar sua vontade quanto à parte disponível do seu patrimônio, e a confirmação será feita posteriormente ao óbito, pela via judicial. Por relevante, em inexistindo as testemunhas que a lei exige para este ato – o que é bem provável dado o momento de isolamento social que enfrentamos – é preciso que neste documento conste expressamente a situação excepcional do COVID-19 e que será crucial para os efeitos pretendidos.
Assim, medidas preventivas nas obrigações decorrentes de direito de família e sucessões e no campo negocial como um todo, vinculadas à situação extraordinária da pandemia, são imprescindíveis à manutenção dos contratos, obrigações em geral e para amenizar problemas iminentes e que precisam ser pensadas e implantadas agora.
1 Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=YY50bD1I8Ic. Acesso em 01/04/2020 às 22:25 horas.
2 Disponível: http://www.ibdfam.org.br/noticias/7189/+Pandemia+do+coronav%C3%ADrus%3A+guarda+compartilhada+est%C3%A1+entre+desafios+enfrentados+no+Direito+das+Fam%C3%ADlias Acesso em 31/03/2020 às 15:57 horas.
3 Disponível: http://adfas.org.br/2020/03/25/justica-de-ms-concede-prisao-domiciliar-a-todos-os-devedores-de-alimentos/ Acesso em: 13:40 horas .
4 Código Civil: Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. §1º Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. §2º Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
Art. 1.877. Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
Art. 1.878. Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
Art. 1.880. O testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam.