Começaria na quinta-feira (15), mas o Banco Central adiou na véspera para o dia 13 de agosto, a segunda fase do Open Banking, ou seja, do sistema financeiro aberto do Brasil. O BC afirma que a segunda fase tem como principal premissa o aumento da segurança e da proteção dos dados dos clientes.
O sistema aberto foca na liberação do compartilhamento padronizado de dados e serviços por instituições financeiras reguladas. No Open Banking, o cliente pode autorizar o compartilhamento de seus dados com outras instituições o que, para o BC, “deve aumentar a competitividade entre os bancos e melhorar a oferta de produtos e serviços”.
No começo de 2021, o Presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que “o Open Banking estava para o sistema financeiro como a internet está para a sociedade”. “Os benefícios e casos de uso serão visíveis ao longo dos próximos meses e anos”, disse ele.
Ao todo, o sistema aberto terá quatro fases. A primeira foi implementada em fevereiro deste ano e, com ela, os dados das 1.065 instituições participantes passaram a ser compartilhados.
À época, segundo o diretor de Regulação do BC, Otávio Damaso, o público-alvo eram “as próprias instituições financeiras ou de pagamento, desenvolvedores, fintechs e acadêmicos”. Nela, os dados dos clientes não foram compartilhados — somente os canais de atendimento, localização de agências, caixas eletrônicos e produtos e serviços oferecidos por cada instituição se tornaram públicos.
A segunda fase, que se inicia em 13 de agosto, promete dar aos clientes a possibilidade de autorizar o compartilhamento de seus cadastros e de informações sobre suas transações financeiras relacionadas a contas, cartão de crédito e operações de crédito com outras instituições.
Segundo Leonardo Medeiros, head de Open Banking & Open APIs na XP Investimentos, a principal diferença entre as duas primeiras fases do serviço é que a primeira compartilhou dados públicos, enquanto a segunda é focada em dados privados.
“A primeira fase tem mais a ver com o compartilhamento de dados das próprias instituições participantes, com relação a dados sobre elas. São informações já públicas, mas que são difíceis de achar via site, e todas as instituições participaram de forma obrigatória. Para a fase dois, que já impacta mais o mercado, é justamente o compartilhamento de dados privados dos clientes com o consentimento deles, com dados cadastrais, como documentos, filiação, telefone, e informações de conta-corrente, poupança, cartão, entre outros. Acreditamos que essa segunda fase vai ter mais impacto”, explica.
A autorização para o compartilhamento poderá ser cancelada a qualquer momento. De acordo com o BC, isso permitirá que cada cliente receba uma oferta de produtos mais adequada a seu perfil, bem como o aconselhamento financeiro com soluções personalizadas.
Mas o que isso quer dizer na prática?
O Open Banking, em sua segunda fase, tira a exclusividade do banco do correntista de fazer ofertas financeiras, como taxas de juros mais baixas para empréstimos, dando às outras instituições a mesma oportunidade.
Se antes uma pessoa tinha conta no Itaú, por exemplo, era ali que ficavam todos os dados dela, como histórico de pagamentos, crédito, extrato, entre outros. Com o sistema aberto, todos os bancos passam a ter as mesmas informações sobre um indivíduo, sem que ele seja cadastrado em todas as instituições financeiras do país.
“Todo aquele histórico financeiro que você criou com o seu banco, você consegue compartilhar com outras instituições financeiras. Um dos maiores exemplos é quando você faz um novo cartão de crédito que te oferece um limite mais baixo do que a do seu primeiro banco. Com o Open Banking, isso se torna mais assertivo”, explica Gustavo Bresler, gerente de estratégia da Quanto, plataforma de open banking.
Com a segunda fase, segundo Bresler, o acesso ao crédito será facilitado — e, em um futuro próximo, as taxas de juros podem ser reduzidas por conta dele. “Quando outras instituições têm acesso às suas finanças e de forma confiável, isso será ofertado de forma justa. Hoje as empresas consideram a qual grupo você se adequa. Com o Open Banking, isso se torna mais individual. A medida que o crédito fica mais justo, ele fica mais barato para os bons pagadores”, diz.
Dessa forma, todos os dados dos usuários — se o compartilhamento for permitido — serão disponibilizados para os bancos usando a interface de programação de aplicações (ou API, na sigla em inglês).
Até o final do ano serão implementadas as outras duas fases do open banking.
No dia 30 de agosto será iniciada a fase três, na qual os consumidores poderão acessar os serviços de pagamento fora do ambiente do banco, podendo solicitar empréstimos fora do app do banco, e compartilhando o histórico de informações financeiras.
Em dezembro, a quarta e última etapa do Open Banking será implementada, ampliando o conceito para o open finance, tornando-se possível compartilhar dados como operações de câmbio, investimentos, seguros e previdência.
E a segurança?
Uma pesquisa da TecBan em parceria com a Ipsos, enviada com exclusividade ao CNN Brasil Business, mostra que 46% dos brasileiros estão preocupados sobre como os dados financeiros serão usados em serviços de open banking. Em 2018, 60% das pessoas tinham essa preocupação.
São cinco as maiores preocupações em relação à privacidade e fraude de dados: 49% se preocupam com crimes financeiros, 46% com o uso dos dados, 43% com dados anônimos, 40% com a proteção deles e 35% com o acesso indevido a eles.
Apesar disso, 40% afirmam que teriam prazer em compartilhar informações financeiras com empresas que não seja o banco com o qual tenham relacionamento.
Para Tiago Aguiar, head de novas plataformas na TecBan, a preocupação com os dados existe, mas o sistema aberto dá uma certa segurança para os usuários. “À medida que as pessoas usarem o serviço, elas vão continuar preocupadas, é claro, mas o benefício vai superar a preocupação”, diz.
Aguiar entende que uma familiaridade maior com as funções do Open Banking aconteceu nos últimos anos — como plataformas que permitem o acompanhamento da vida financeira em apenas um local. “As pessoas, atualmente, têm mais proximidade com essas ferramentas e 43% gostariam desse tipo de serviço, e estão esperando o surgimento de mais apps para isso”, explica.
O Open Banking, para Aguiar, “está apenas começando” e é “a maior revolução do mercado financeiro desde o Plano Real”. “O gerenciamento de finanças é apenas a ponta do iceberg. Esse sistema trará muitos outros benefícios. A experiência não será mais customizada, mas sim personalizada”, afirma. “As pessoas não saberão exatamente o que é o Open Banking, mas será como fazer o cadastro em um site usando a sua rede social: muitas pessoas não saberão o que está por trás, mas gostarão do benefício”, diz.
Para obter o resultado, a TecBan realizou 1.000 entrevistas entre os dias 4 e 10 de junho deste ano. Do total, 55% eram mulheres e 45% eram homens com idades entre 18 e 59 anos. Do total, 44% possuem conta corrente, 25% conta poupança e 34% possuem ambas.
Fonte: CNN Brasil
Link: https://bit.ly/3eLrQgv
Comentário de Letícia Avelar Machado
Open banking, ou, em tradução livre ao português, “banco aberto”, é um termo do mundo financeiro que significa o uso compartilhado de dados de clientes pelos e outras as instituições financeiras.
A promessa desse modelo de negócio é gerar maior competitividade no mercado financeiro, possivelmente reduzindo juros e aumentando as ofertas de crédito.
Por outro lado, neste atual contexto de proteção de dados, cabe criticar o comentário de Tiago Aguiar, head de novas plataformas na empresa de tecnologia bancária TecBan, oferecido à CNN em relação à preocupação dos consumidores quanto ao uso de seus dados. Segundo ele: “As pessoas não saberão exatamente o que é o Open Banking, mas será como fazer o cadastro em um site usando a sua rede social: muitas pessoas não saberão o que está por trás, mas gostarão do benefício”.
Acredita-se que a crescente demanda para regulamentação do uso de dados pessoais, observada em contexto internacional, principalmente após a aprovação da GDPR – o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados europeu – em 2016, demonstra uma possível mudança na postura no público que utiliza desses serviços, que passará a exigir, da parte da empresa prestadora, uma oferta clara quanto ao uso de suas informações pessoais.
Ainda que esse tipo de exigência não venha do público, no Brasil e em grande parte dos países ocidentais, ela já vem da própria legislação, como no caso do art. 7º, VI, da LGPD, que traz consigo o princípio da transparência, obrigando as empresas a garantir, aos titulares, acesso informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre o tratamento de dados.
Portanto, assumir que os usuários das plataformas de open banking simplesmente irão passar à usá-las sem “saber o que está por trás”, de um ponto de vista jurídico, parece ser uma estratégia negligente de negócio, que gera riscos a longo prazo.