Shadowban e a limitação de conteúdos políticos nas redes sociais

Shadowban e a limitação de conteúdos políticos nas redes sociais

Em 8 de junho deste ano, o executivo chefe do Instagram, Adam Mosseri, compartilhou um texto no blog oficial da plataforma intitulado Shedding More Light on How Instagram Works, ou Esclarecendo Como o Instagram Funciona, em tradução livre para o português. Mosseri afirma, logo na introdução, que essa será a primeira de várias publicações que visam explicar aos usuários como a rede social funciona, pois afinal “é difícil confiar naquilo que não entendemos”.

Um dos tópicos trazidos pela publicação foi o polêmico “shadowban”.

Em tradução livre, como tentativa de adequar o termo ao português, pode-se dizer que “shadowban” significa “banimento às sombras”. A expressão é usada para descrever, genericamente, medidas tomadas pelas redes sociais para reduzir o alcance de publicações, ou bloqueá-las por completo, com base em critérios totalmente desconhecidos por usuários.

No geral, as explicações de Mosseri não são muito surpreendentes, tratando-se de simples descrições de quais são os critérios usados para determinar quais postagens serão mostradas aos usuários quando entram na plataforma. Esses critérios se resumem às interações que o perfil tem com cada postagem, como likes, compartilhamentos, comentários etc. Em suma, quanto mais um perfil interage com publicações de um tema específico, mais a plataforma valoriza aquele tema.

Ainda que não haja grandes surpresas, é justo e positivo que a plataforma informe e esclareça esses critérios aos usuários, principalmente para aqueles que usam seus perfis para atividade profissional, cuja correta administração tem impacto direto em seus negócios.

Por outro lado, é possível dizer que as declarações de Mosseri sobre o funcionamento do Instagram acabaram por sugerir a ocorrência de certos tipos de shadowban. Dentre as afirmações do executivo tem-se, por exemplo, a confirmação de que o Instagram evita recomendar “reels [formato de vídeo de curta duração específico para a rede] com foco em questões políticas ou que são feitos por figuras políticas, partidos, ou oficiais de governo – ou em seu nome”.

E essa limitação não é exclusiva ao Instagram. Em fevereiro de 2021, Aashta Gupta, a diretora de gerenciamento de produtos do Facebook, anunciou que a plataforma faria testes com vistas à redução de conteúdo político apresentado aos usuários em seus feeds. Seis meses depois, em 31 de agosto deste ano, Gupta anunciou que o resultado dos testes foi positivo, mesmo considerando os impactos que a limitação desses conteúdos certamente trará aos diversos usuários da rede que utilizam seus perfis justamente para tratar de temas políticos.

Apesar de, em tese, o anúncio dessas limitações já descaracterizar a ocorrência de shadowban – que, por natureza, ocorre às sombras, sem que o usuário tenha conhecimento – entende-se aqui que, pela inerente subjetividade do tema, na prática, é impossível que as plataformas delimitem exatamente o que será considerado “foco em questões políticas”, de modo que os usuários nunca terão absoluta certeza de quais postagens terão seu alcance limitado.

Neste contexto, a transparência de modo objetivo e absoluto é impraticável. Da mesma forma, uma atuação completamente imparcial das empresas também será igualmente impossível.

Assim, cabe questionar: estaria essa limitação de conteúdo político violando de alguma forma os direitos dos usuários das plataformas?

Diante dessa questão, é compreensivo que a primeira reação, quase instintiva, de uma pessoa que utilize dessas redes sociais como principal forma de comunicação seja afirmar que “sim, essa redução de alcance de conteúdos políticos nessas plataformas é abusiva”. Argumenta-se que há violação ao direito de liberdade de expressão dos indivíduos e, em casos mais extremos, equipara-se o shadowban à censura.

No entanto, entende-se aqui que, para o bem ou para o mal, essa limitação de conteúdos polêmicos em redes sociais não é só lícita como inevitável.

Lícita porque ao criar um perfil em uma rede social o usuário assina um contrato, um termo de serviço, que não lhe promete ou garante liberdade ilimitada. Pelo contrário, em regra esses termos descrevem condutas inaceitáveis nas plataformas, que podem resultar em sanções que vão desde a redução da visibilidade de uma publicação até a exclusão permanente de um perfil.

Ainda que se trate de um contrato de adesão e que os indivíduos sejam evidentemente vulneráveis em relação a gigantes da tecnologia, como Google e Facebook, o serviço contratado não oferece aos consumidores um espaço completamente intocável para que expressem publicamente suas ideologias sem qualquer consequência negativa.

Institutos como o dano moral e os crimes contra a honra (injúria, difamação e calúnia) são plenamente aplicáveis ao ambiente digital, e não se deve esperar que as redes sociais impeçam que seus usuários fiquem imunes a eles.

A internet como rede totalmente livre e descentralizada de comunicação é uma ilusão a qual muitos ainda se apegam. A realidade, porém, é outra: o uso da internet gera consequências além do mundo virtual, dentre elas consequências jurídicas, possivelmente muito caras, para as empresas responsáveis. E é daí parte o entendimento de que essa limitação a certos conteúdos é inevitável.

Democratas e republicanos discordam da validade dos atos que ocorreram no capitólio americano em janeiro deste ano. Independente disso, o fato é que o ato só aconteceu porque foi possível mobilizar eleitores ao redor dos EUA via redes sociais como o Twitter e o Facebook. Da mesma forma, ao longo da pandemia da Covid-19, desde o início de 2020, autoridades nacionais e jornalísticas, bem como cidadãos comuns, publicam suas opiniões e tem discussões passionais sobre tratamentos e medidas de preventivas em redes sociais, algo que jamais aconteceria sem o auxílio desses meios de comunicação.

Ao mesmo tempo, a legislação procura se adaptar a este novo cenário, buscando responsabilizar adequadamente as empresas que administram essas plataformas, uma vez que são elas que possibilitam mobilizações e divulgação de informações em massa, algo sem precedentes na história da humanidade.

No Brasil, o Marco Civil de Internet – Lei nº 12.965 de 2014 – dispõe em seu art. 19 que o provedor de aplicações será responsabilizado pelo conteúdo publicado por terceiros, desde que não cumpra com ordem judicial para retirá-lo do ar. Já o projeto de lei nº 2630, de 2020, popularmente conhecido como Lei das Fake News, pretende ampliar a responsabilidade dessas empresas, atribuindo a elas o dever de verificar conteúdos publicados a fim de evitar a disseminação de desinformação.

Nos EUA, por sua vez, há previsão de reforma da Sessão 230 do Communications Decency Act – Ato de Decência nas Comunicações em tradução livre ao português – que determina que nenhum provedor de serviço de comunicação online será considerado anuente com discursos publicados por terceiros em suas plataformas (47 U.S.C. § 230), a fim de que se possibilite alguma responsabilização desses provedores quanto a conteúdos potencialmente danosos ao público.

As iniciativas de reforma da legislação partiram tanto do republicano Donald Trump, em maio de 2020, do Departamento de Justiça americano, em setembro do mesmo ano, e do presidente eleito Joe Biden, do partido democrata, em 2021.

As empresas provedoras dos serviços de redes sociais naturalmente acompanham essa mudança de cenário legislativo, procurando se adaptar de modo a preservar seus negócios e, principalmente, seu lucro. É lógico deduzir que é do interesse desses provedores evitar a judicialização de conflitos e sanções, entre outros possíveis prejuízos financeiros decorrentes das mudanças na lei.

E é a partir daí que se conclui que a limitação das publicações que contenham temas polêmicos ou potencialmente danosos aos direitos de outrem, dentre eles temas políticos, será inevitável.

Não se defende aqui que essa limitação será totalmente justa, transparente ou imparcial. Pelo contrário, como já mencionado, espera-se que o shadowban continue, a política é subjetiva por natureza, sendo impossível prever e descrever com exatidão quais postagens sofrerão limitações em seu alcance, gerando assim novos conflitos no âmbito das redes sociais.

Mas também não se defende aqui que os usuários dessas redes sigam usando-as na ilusão de que elas são ferramentas da democracia representativa, com o compromisso constitucional de transmitir publicamente todas as ideologias políticas sem discriminação ou consequências.

É necessário que se entenda que plataformas como Instagram e Facebook são empresas privadas, prestadoras de serviço, com seus próprios interesses e que sempre atuarão de maneira parcial na defesa deles.

O usuário por sua vez, ocupa a posição de consumidor. A defesa de seus direitos ocorrerá nesse cenário, na forma de cobrança por maior transparência dessas empresas, forçando-as a comparecer frente ao seu público com esclarecimentos quanto à gestão dos conteúdos que hospedam.

Ainda que a transparência total e objetiva seja impossível, em casos concretos de ocorrência de banimento ou redução do alcance de postagens, os usuários de redes sociais, como consumidores de um serviço, tem direito de entender como ele funciona, nos termos do art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor. Uma vez que entender sua posição vulnerável, porém amparada por legislação específica, o usuário poderá tomar providências com vistas à defesa de seus interesses.

Acusações genéricas de shadowban e tentativas de colocar essas plataformas como censores vilões da democracia dificilmente trarão algum resultado prático.

As declarações de Mosseri quanto Instagram não são perfeitas e ainda deixam dúvidas sobre a ocorrência de certos tipos de shadowban. No entanto, o executivo está certo em afirmar que é difícil confiar naquilo que não entendemos.

Portanto, é imprescindível que o público que utiliza os serviços de redes sociais saiba exigir mais transparência delas, focando em casos concretos, a fim de que se possa estabelecer uma relação de confiança com as empresas.

Autoria de: Letícia Avelar Machado

Fontes:
https://www.dlapiper.com/en/us/insights/publications/2020/12/ipt-news-q4-2020/whos-responsible-for-content-posted-on-the-internet-section-230-explained/

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944

https://about.instagram.com/blog/announcements/shedding-more-light-on-how-instagram-works

https://www.mlabs.com.br/blog/shadowban/

https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/tiktok-assume-que-diminui-alcance-de-posts-com-hashtags-lgbt

https://twitter.com/mosseri/status/1410297743285829632

https://www.tecmundo.com.br/redes-sociais/224157-facebook-reduzir-conteudo-politico-feed-rede-social.htm

Fechar Menu