Por Eliel Batista Miranda Júnior
OAB/PR 86.025
Dos compromissos financeiros mensais, poucos preocupam mais o empresário, nesta quarentena, do que o aluguel do prédio onde desenvolve suas atividades. A matemática é monstruosa, não pela dificuldade no cálculo, mas pela bestialidade com que ataca as reservas da empresa. Em um momento em que até os contratos de trabalho, que gozam de todas as proteções de nosso sistema jurídico, estão sendo relativizados, devemos, também, buscar a divisão das perdas provocadas pela Covid-19 nas relações locatícias comerciais.
A iniciativa do PL 1.179/2020, do Senado Federal, inicialmente adotava essa premissa, mas poderia ir muito além. Isso porque há relevante dúvida na redação do projeto – que ainda precisa atravessar todo o trâmite legislativo na Câmara dos Deputados e Presidência da República – quanto à possibilidade de despejo por falta de pagamento de aluguéis de 20 de março até 30 de outubro de 2020 e, especialmente, por impor aos locatários a integralidade do prejuízo pelo coronavírus: mesmo a possibilidade de suspender o pagamento, total ou parcialmente, esta foi afastada pelo Senado Federal, de modo que, ainda que não haja despejo no período, a empresa terá que pagar todo o valor atrasado de uma só vez no fim do ano, comprometendo a recuperação de liquidez das empresas após a quarentena e criando o cenário para que uma crise de caixa se torne uma crise patrimonial.
Não esquecendo ainda, da possibilidade de alterações na Câmara dos Deputados, que podem inclusive prever expressamente o despejo no caso, e de veto por parte do Presidente da República. Uma proposta insuficiente pode acabar se tornando solução nenhuma – seja pela manutenção do projeto aprovado no Senado, por veto ou pela finalização tardia dos trâmites no Congresso Nacional.
Deve-se inquirir, então, qual é a forma mais justa de distribuir as consequências nefastas da crise. Para tanto, há que se ter em mente que, se o locatário não tiver condições de pagar o aluguel integral e tiver que encerrar suas atividades, o locador certamente não conseguirá alugar seu imóvel a ninguém nesse momento, sustentando sozinho todo o prejuízo; por outro lado, os riscos econômicos ordinários devem, pela natureza da atividade, correr por conta do empresário, que, finda a quarentena, poderá retornar à exploração integral e exclusiva do ponto de propriedade do locador.
Contudo, uma quarentena de proporções mundiais, que impõe a paralisação quase total da atividade econômica, claramente não se enquadra em risco econômico ordinário. A solução está justamente no fato de que a crise da Covid-19 não é risco ordinário, constitui verdadeiro fato extraordinário e imprevisível, que legitima a alteração dos contratos assinados e vigentes para distribuir o peso de maneira mais equitativa entre as partes contratantes.
A possibilidade para que isso aconteça, melhor do que o PL 1.179/20, já está no Código Civil desde 2003 (nos artigos 478 a 480) e já foi aplicado no direito brasileiro mesmo antes disso, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a uma crise muito mais previsível, que foi a adoção do câmbio flutuante pelo Banco Central do Brasil.
Em janeiro de 1999, em decorrência desse fato extraordinário, a cotação do dólar foi de R$ 1,21 em 13/01/1999 para R$ 1,98 em 29/01/1999. Diversos contratos de leasing (arrendamento mercantil de veículos, aeronaves etc.) tinham parcelas vinculadas ao dólar. Com o aumento de mais de 60% em duas semanas, o valor das parcelas ficou desproporcional. O STJ, atendendo à necessidade de divisão equitativa do ônus excepcional, definiu que cada contratante deveria sustentar metade da variação do mês de janeiro.
O que se vive nesse momento é, inquestionavelmente, similar. A medida mais adequada, portanto, é a revisão dos contratos de locação comercial para aquelas empresas forçadas a suspender suas atividades, ainda que parcialmente, para que, no período em que durar a pandemia, o risco extraordinário seja dividido igualmente entre os contratantes, reduzindo-se o valor devido a título de aluguéis à metade. Evidentemente, a medida está condicionada à comprovação de que o estabelecimento físico é essencial ao desenvolvimento das atividades e do impacto financeiro igualmente excepcional decorrente da quarentena.
Isso pode ser feito por meio de uma notificação extrajudicial para convidar o locador para uma negociação – já que este tipo de solução quase sempre é melhor do que o litígio – e, caso a conciliação seja infrutífera, um procedimento judicial de tutela antecipada, com um requerimento liminar para um dos juízes de plantão no Poder Judiciário, com o posterior pedido de revisão contratual.