Por Leila Erdmann Sônego, advogada.
Há dois meses foi promulgado o decreto que reconhecia o estado de calamidade pública no país em decorrência da pandemia causada pela Covid-19. Com isso, as contas do governo federal deixam, temporariamente, de estar vinculadas às metas fiscais, limites de endividamento, despesas com pessoal e prazos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, exatamente para que todos os esforços sejam empregados no problema de saúde pública que se originou.
Para as pessoas físicas e jurídicas, quando o valor das dívidas ultrapassa o valor dos bens e direitos, as ferramentas correspondentes seriam o processo de insolvência civil ou de recuperação judicial, respectivamente.
Ocorre que, embora o caos financeiros seja iminente, é inevitável reconhecer que algumas obrigações financeiras são mais relevantes que outras e que nem sempre irá se tratar de uma incapacidade absoluta de quitar as dívidas.
A exemplo de obrigação financeira que preocupa muito as pessoas físicas, possivelmente por ser a única hipótese de prisão por dívida, é a alimentar. Aqui, referimo-nos à obrigação estipulada judicialmente, e, em geral, entre descendentes, ascendentes e ex-cônjuges.
Para a fixação de “pensão alimentícia” entre tais pessoas, sempre é considerada a “necessidade” daquele que precisa ser alimentado e a “possibilidade” financeira daquele que por lei é obrigado a auxiliar materialmente no sustendo do outro.
Existe, ainda, um terceiro fator que deve ser considerado: a “proporcionalidade” entre os dois primeiros e, eventualmente, com outros corresponsáveis pelo alimentado, como por exemplo, a proporção de contribuição financeira pelo pai que permaneceu responsável no regime de convivência em relação àquele que não coabita com o filho.
O cenário da pandemia aponta para variáveis tanto da “necessidade” – porque é possível que os gastos do alimentado tenham se elevado em razão da recomendação das autoridades de saúde para o isolamento social – quanto da “possibilidade” – caso a renda do alimentante tenha sofrido impacto direto com as medidas de restrição ao comércio e circulação de pessoas.
São situações que podem ensejar a revisão dos alimentos por parte do alimentante: redução da renda e/ou do faturamento de sua empresa; perda do emprego ou suspensão temporária de seu contrato de trabalho.
Já por parte do alimentado, o aumento das necessidades em razão de ter que permanecer isolado, por exemplo: gastando mais com mercado, luz, água, gás, necessitando de equipamentos eletrônicos para as aulas remotas. E, ainda, se houver redução do salário da pessoa que tem sua guarda ou se esta for demitida em razão da pandemia, afinal, isso alteraria de modo substancial a proporção de contribuição para o sustento do alimentado.
Certo é, que seja qual for o cenário, são imprescindíveis provas robustas para convencer o judiciário a reduzir ou aumentar temporariamente os alimentos. A título exemplificativo, na ação revisional para aumentar os alimentos, recomenda-se demonstrar o histórico de gastos com energia elétrica, mercado, alimentação ou ainda que o outro responsável pelo alimentado teve uma drástica redução no orçamento durante a pandemia.
Já para a revisão com objetivo de reduzir temporariamente os alimentos, o histórico e a demonstração do fluxo de caixa seriam formas de comprovar que a renda do alimentante de fato foi alterada.
Por fim, mas de suma importância, é preciso mencionar que toda obrigação alimentar fixada por decisão judicial somente pode ser alterada e extinta pela mesma via, ou seja, por outra decisão judicial.
Existente uma sentença que impõe valor de alimentos, nunca, em hipótese alguma, é admitido que o alimentante negocie diretamente com a parte para passar a pagar menos a título de alimentos, sem que isso tenha a devida homologação pelo judiciário, sob pena de responder execução acerca da diferença que deixou de pagar.
Até porque, embora muito tenha se discutido durante a pandemia sobre a prisão dos devedores de alimentos, ela ainda é possível – mesmo que na modalidade domiciliar – e sem prejuízo de outras medidas de estímulo ao cumprimento dela, podendo, eventualmente, a prisão ser lançada para depois do término do período de confinamento estabelecido pelas autoridades governamentais, conforme aprovado em 14/05/2020 no Congresso com a Emenda nº 15 ao PL 1179/2020.
Possibilitando-se, também, que quando for comprovado que houve alteração na possibilidade financeira do alimentante, a obrigação alimentar vencida poderá ser parcialmente suspensa, para incluí-la em determinado percentual após o fim da calamidade sanitária, entendimento já aplicado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo[1].
Seja qual for a situação, se há obrigação alimentar estipulada judicialmente, este é o momento de verificar se o cumprimento dela foi afetado pela pandemia ou se a pandemia gerou gastos maiores, e imediatamente procurar o judiciário para a readequação dos valores.
[1]Notícia divulgada pelo IBDFam em 05/05/2020, disponível em : http://www.ibdfam.org.br/artigos/1441/Redu%C3%A7%C3%A3o+de+alimentos+por+tempo+determinado+em+fun%C3%A7%C3%A3o+do+COVID+-19.